quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Carminho e Sandra

Recebi agorinha este mail, vem atrasado, mas quis partilhá-lo porque demonstra aqui a única razão pela qual eu votei SIM.




Carminho senta - se nos bancos almofadados do BMW da
mãe. Chove lá fora .Encosta o nariz ao vidro para
disfarçar duas enormes lágrimas que lhe rolam pela
face. A mãe conduz o carro e aperta - lhe ternamente a
mão. Há muito trânsito na Lapa ao fim da tarde. A mãe
tem um olhar triste e vago mas aperta com força a mão
da filha de 18 anos. Estão juntas. A caminho de
Espanha.



(Mais a baixo na cidade)



Sandra senta - se no banco côr - de - laranja do
autocarro 22 que sai de Alcântara. Chove lá fora.
Encosta o nariz ao vidro para disfarçar duas enormes
lágrimas que lhe rolam pela face. A mãe está sentada
ao lado dela. Encosta o guarda - chuva aos pés gelados
e aperta - lhe ternamente a mão. Há muito trânsito em
Alcântara ao fim da tarde. A mãe tem um olhar triste e
vago mas aperta com força a mão da filha de 18 anos.
Estão juntas. A caminho de casa de Uma Senhora.



O BMW e o autocarro 22 cruzam - se a subir a Avenida
Infante Santo.



Carminho despe - se a tremer sem nunca conseguir
estancar o choro. Veste uma bata verde. Deita - se
numa marquesa. É atendida por uma médica que lhe entoa
palavras doces ao ouvido, enquanto lhe afaga o cabelo.
Carminho sente - se a adormecer depois de respirar
mais fundo o cheiro que a máscara exala. Chora
enquanto dorme.



Sandra não se despe e treme muito sem conseguir
estancar o choro. Nervosa , brinca com as tranças que
a mãe lhe fez de manhã na tentativa de lhe recuperar a
infância. A Senhora chega. A mãe entrega um envelope à
Senhora. A Senhora abre - o e resmunga qualquer coisa.
É altura de beber um liquido verde de sabor muito
ácido. O copo está sujo, pensa Sandra. Sente - se
doente e sabe que vai adormecer. Chora enquanto dorme.



Carminho acorda do seu sono induzido. Tem a mãe e a
médica ao seu lado. Não sente dores no corpo mas as
lágrimas não param de lhe correr cara abaixo. Sai da
clínica de rosto destapado. Sabe -lhe bem o ar fresco
da manhã. É tempo de regressar a casa. Quando a placa
da União Europeia surge na estrada a dizer PORTUGAL,
Carminho chora convulsivamente.



Sandra não acorda. E não acorda . E não acorda. A mãe
geme baixinho desesperada ao seu lado. Pede à Senhora
para chamar uma ambulância. A Senhora não deixa, ponha
- se daqui para fora com a miúda, há uma cabine lá em
baixo, livre - se de dizer a alguém que eu existo.
A mãe arrasta a Sandra inanimada escada a baixo. Um
vizinho cansado, chama o 112 e a polícia.
Sandra acorda no quarto 122 dias depois. As lágrimas
cara abaixo. Não poderás ter mais filhos, Sandra,
disse -lhe uma médica, emocionada.
Sai do hospital de cara tapada, coberta por um lenço.
Não sente o ar fresco da manhã. No bolso junto ao
útero magoado, a intimação para se apresentar a um
tribunal do seu país: Portugal.



Eu voto sim . Pela Sandra e pela Carminho. Pelas suas
mães e avós. Por mim."

(Rita Ferro Rodrigues)

2 comentários:

Cláudia disse...

Sem palavras... Muito comovente...
bjs

Fénix disse...

Tem graça, hoje falei na minha avó....
Adorei a história. Bjs